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20 de maio de 2011


Texto publicado no Farrazine #21 escrito por mim mesmo.

O efeito dominó em ação!
Sobre abolição, origens e em nome da planta...


Embora a definição correta em qualquer dicionário ou enciclopédia seja ‘‘área degradada de uma determinada cidade caracterizada por moradias precárias e blábláblá etc. e tal...’’ todos sabemos que a força e importância das chamadas ‘‘favelas’’ é muito mais do que isso.

Desde que começou o ‘‘boom’’ do funk carioca e do lançamento do filme ‘‘Cidade de Deus’’, esta palavra nunca tinha sido tão falada, modernizada, industrializada e sendo ainda mais direto... Nunca havia estado tanto na mídia como nos últimos anos!

Tivemos a série ‘‘Cidade dos Homens’’, o filme ‘‘Tropa de Elite’’ e ‘‘5x Favela - Agora Por Nós Mesmos’’ entre outros longas-metragens, seriados, programas de televisão, camisetas, documentários e várias outras coisas. Todos eles abordam o assunto sobre a mesma perspectiva, algo que não acho necessário comentar aqui porque vocês já sabem o que quero dizer.

Em suma, deturpando uma frase do Humberto Gessinger, hoje em dia, a Favela é Pop! E vocês, leitores curiosos, sabiam que esse pop veio da planta?

Parem de pensar besteira, porque nããão... Eu não estou falando da diversão nº 1 de Bob Marley, Gabeira e Marcelo D2! Tampouco é uma mensagem subliminar sobre os pontos de venda dessa erva.

Humpf!

Realmente há uma planta chamada Favela - Cnidoscolus phyllancatus - que produz óleo comestível e combustível. Ela é bem comum no norte do Brasil e quase nunca comentada nos outros lados. Pois esta plantinha, tão sã e bacaninha, deu nome a umas das representações habitacionais mais conhecidas no mundo.

Na verdade a evolução desse nome, até chegar ao significado que conhecemos hoje, envolve uma série alucinante de eventos que desencadeiam no Rio de Janeiro do século XIX. E dela participaram figuras históricas!

Acreditem, é uma história incrível! E como todas as histórias incríveis, começa por causa de uma garota.

Bom, não era bem uma garota e sim, uma mulher!

Reparem: Todos os grandes acontecimentos interessantes têm alguma mulher como protagonista ou antagonista, como por exemplo: Evita Perón e a paixão que criou na Argentina; a misteriosa, sensual e exótica Mata-Hari na primeira guerra mundial; ou ainda, a impactante voz de Janis Joplin na revolução musical dos EUA nos anos 60 e 70, e convenhamos, o relato bíblico sobre a criação fica bem mais interessante quando conhecemos a Eva.

A mulher que estamos falando, responsável indireta (ou direta?) na origem da estória das favelas se chama Brasilina Laurentina de Lima.

Ok, eu concordo que o nome não tem tanto glamour como Eva, Janis ou Mata-Hari, mas o peso histórico e importância são os mesmos, posso garantir...

Em 1857, Brasilina, ou Lina para os amigos, se casa com um primo estabelecendo sua vida em Sobral, no Ceará. Logo são obrigados a mudar-se de cidade em cidade chegando, finalmente, a Ipu onde a vida matrimonial sofreria mudanças radicais, no caso de um deles. E é depois de alguns anos, ainda nessa cidade, que o marido de dona Brasilina flagra ela na cama de sua casa, em plena traição conjugal, com um sargento da Polícia de Ipu.

O esposo de Lina, transtornado com a situação, decide tomar a atitude mais rebelde que alguém poderia ter, estando em seu lugar!
Não amigos. Ele não decidiu matá-la, ou suicidar-se, ou acabar com a raça daquele sargentinho sem-vergonha! O que ele fez foi muito mais hardcore e underground!

Ele... andou!

Sim! No melhor estilo hippie, ele pegou uma trouxa e saiu caminhando pelo sertão para esquecer a humilhação sofrida em seu casamento. Logo começa a inventar milagres e dar conselhos ao povo que precisava de ajuda. Com o tempo, ele passou a ter mais e mais seguidores, sem twitter nem nada, só protegendo os oprimidos pela pobreza e cuidando dos ex-escravos libertos pela abolição que não tinham nenhum meio de subsistir. O cara, simplesmente, era o messias do Agreste!

Para os modelos atuais, como forma de comparação, podemos dizer que ele virou uma mistura de Forrest Gump, Jesus Cristo e Lula para o povo. Vocês imaginam o que seria capaz de fazer uma figura assim? Se vocês não imaginam, eu digo:

A GUERRA DOS CANUDOS!

Sim senhore(a)s! Este cidadão, ex-marido de dona Lina, corno manso por opção e revolucionário por natureza se chamava ANTÔNIO CONSELHEIRO!

A histórica Guerra dos Canudos deixou várias vítimas, tendo como umas das mais conhecidas o famoso coronel Moreira César. A força da trupe de Conselheiro era tão grande que matou Moreira e, no mesmo dia, assassinou a pessoa que o substituiu no cargo. Com a morte dos dois coronéis, as tropas do governo ficaram abaladas e retrocederam produzindo uma repercussão incrível sua derrota.
O ministro de guerra da época preparou uma expedição superpoderosa, que sairia com soldados do Rio de Janeiro a Canudos armados com a melhor tecnológica bélica daquele período e muito ‘‘sangue nos olhos’’, na gíria de hoje em dia. Depois de alguns anos, Antônio foi derrotado e morto e os soldados cariocas que sobreviveram puderam voltar aos seus lares com a vitória.

A volta ao lar teria sido um bonito tempo de paz se o governo não tivesse lhes pregado uma peça! E foi que depois que acabou a guerra e a situação civil estava controlada, o governo deixou de pagar o salário daqueles que foram seus heróis.

Sem dinheiro para poder manter o mesmo nível de vida de antes e vendo que ninguém tomava nenhuma providência, os soldados decidiram, por eles mesmos, tomar a providência. E fizeram isso literalmente.
Esses soldados invadiram um morro, o da Providência, e passaram a fazer suas casas com as condições que o dinheiro que sobrava lhes permitia. Daí foi uma ajudinha de alguns ex-escravos aqui (que acabaram adotando morada lá também), outra mãozinha de desabrigados acolá e pronto; só faltava definir o nome do lugar por algo mais pop que Providência. Porque apesar de chamar-se assim antes, não deixava de ser uma anedota do destino com relação a nome-situação e isso não era fashion.
Na verdade, a mudança na nomenclatura do novo lar dos soldados veio naturalmente. O morro da Providência era muito parecido ao morro que eles tinham ficado na Guerra dos Canudos. E aquele morro se chamava favela pela abundância dessa planta nele. Tudo veio com uma simplicidade singela tipo:

 Bom dia, ex-soldado fulano! Por onde tens andado?
 Bom dia, amigo ex-soldado! Estou morando ali no Providência, na favela, lembra?

Mudança sutil não é? Até hoje o morro da Providência se chama Providência no Rio de Janeiro. E o nome Favela virou sinônimo de moradia precária até pouco tempo... Depois vocês já sabem, Michael Jackson veio fazer clip, Edward Norton foi morar em uma como Bruce Banner e o Capitão Nascimento virou super-herói nacional correndo por elas com fuzil na mão.

E como eu tinha falado antes, tudo começou com a dona Brasilina...


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