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28 de julho de 2009

MÚSICA NO BRASIL DE D. JOÃO VI

Livro (lançamento)

da Série Ctrl C + Ctrl V

retirado do boletim da AGÊNCIA FAPESP recebido por e-mail.

Especiais

Transformação vocal

28/7/2009

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – A vinda da corte de D. João 6º para o Brasil, em 1808, imprimiu nova dinâmica sociocultural ao Rio de Janeiro. Entre outras novidades, o rei português trouxe uma leva de castrati, cantores representantes da escola italiana de canto setecentista, cuja extensão vocal corresponde a das vozes femininas.

A força dessa escola influenciou de tal forma os intérpretes brasileiros que já atuavam no Rio de Janeiro antes da chegada da corte que transformou a escrita vocal dos mais importantes compositores brasileiros do período. Essa é uma das principais conclusões do livro Castrati e outros virtuoses: a prática vocal carioca sob a influência da Corte de D. João 6º, de Alberto José Vieira Pacheco, que acaba de ser lançado.

A obra ajuda a preencher lacunas na história da música brasileira no século 19. Acompanhada de um CD, traz uma análise inédita sobre a linha vocal solista de dois dos mais importantes compositores no Rio de Janeiro joanino: José Maurício Nunes Garcia e Marcos Portugal.

De acordo com Pacheco – que é professor do Núcleo de Integração e Difusão Cultural da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal –, a obra investiga como a escola italiana de canto setecentista esteve representada no país no período joanino.

O autor explica que pelo menos nove castrati italianos, entre os principais intérpretes e professores dessa escola de canto no período, vieram ao Brasil para atuar na corte e se tornaram o paradigma vocal. Além disso, outros cantores europeus chegaram ao país, também atraídos pela corte.

“Procurei mostrar como o modelo vocal europeu chegou ao Brasil, como se aclimatou e como influenciou a prática local. Em períodos anteriores e em outras regiões, os documentos históricos que nos dizem algo sobre a prática vocal local são muito mais escassos, ficando mais difícil tirar conclusões”, disse Pacheco à Agência FAPESP.

O livro foi resultado da pesquisa desenvolvida por Pacheco em sua tese de doutorado, concluída em 2007 e realizada com apoio da FAPESP. Já o trabalho de mestrado, finalizado por Pacheco em 2004, também com bolsa da FAPESP, teve como resultado o livro O canto antigo italiano: uma análise comparativa dos tratados de canto de Pier Tosi, Giambatista Mancini e Manuel P. R. Garcia, publicado em 2006.

Segundo o pesquisador, o tipo de análise feita na mais recente obra possibilita, entre outras coisas, determinar qual o tipo vocal de um dado intérprete – se é soprano ou meio-soprano, por exemplo. Para analisar os tipos de vozes de forma mais precisa, o pesquisador utilizou gráficos que medem por quanto tempo uma dada frequência sonora é emitida pelo cantor em uma determinada ária.

“Fazendo uma análise estatística desses dados, pode-se determinar ‘medidas’ como tessitura e extensão vocais de um determinado intérprete. A intenção era conhecer melhor as vozes dos cantores, já que algumas das árias trazem o nome do intérprete para o qual foram escritas e, portanto, acabam por revelar características vocais de seu respectivo intérprete”, explicou.

O livro, segundo Pacheco, apresenta provas do envolvimento pessoal de D. João 6º na produção musical, o que fez dele “o maior mecenas no Rio de Janeiro durante sua permanência”. O autor descreve como as medidas do regente – como a criação da Real Câmara, com os subsídios para a construção do Teatro São João, entre outras – beneficiaram a produção musical da época.

“Ele foi responsável pela orquestra e cantores da Capela Real, que nesse período foi um dos mais importantes grupos musicais das Américas. No caso dos intérpretes, em especial, a ação de D. João 6º foi fundamental, pois, a mando do monarca, muitos músicos europeus foram contratados e trazidos ao Brasil”, disse.

A escola italiana de canto foi recebida no Brasil como modelo e não houve, segundo seu levantamento, indícios de resistências à sua influência na prática do canto. Tudo indica que os intérpretes brasileiros foram influenciados por ela e se esforçaram em imitar os cantores italianos.

“Nos gêneros mais populares, como as modinhas, é certo que foi preciso uma adaptação, apesar da influência italiana ter-se dado mesmo nesse tipo de produção. No caso do canto, o que podemos notar é um gosto local na maneira de ornamentar. É necessário também chamar a atenção para uma nomenclatura musical que muitas vezes foge do modelo padrão italiano”, afirmou.

Intérpretes em foco

Pacheco identifica claramente uma mudança em relação à prática vocal carioca a partir da presença dos castrati. Segundo ele, houve um incremento do grau de exigência técnica “seja por meio do uso muito mais frequente de ornamentação e de passagens vocais típicas do virtuosismo do canto florido, seja por árias cada vez mais extensas e com tessituras muito mais alargadas. Ou seja, a voz expandiu seus limites em direção a seus agudos e graves”.

“Essas mudanças ficam claras se compararmos as linhas vocais solistas das primeiras composições do padre José Maurício com as últimas. No livro, podem ser consultadas transcrições de boa parte desses solos vocais, para que cada um possa avaliar por si próprio esse fato”, destacou.

Ao colocar como foco a atuação dos castrati, Pacheco dá ao intérprete um papel de destaque na história da música no país. A historiografia tradicional, segundo ele, costuma fazer uma espécie de “história dos compositores”. “Mas sou da opinião que alguns aspectos da história da música só podem ser bem compreendidos se levarmos em conta a atividade dos intérpretes. Os cantores chegados da Europa influenciaram a composição no Rio de Janeiro e até mesmo tornaram possível um estilo de música vocal”, ressaltou.

Dentre os mais importantes e influentes castrati, o pesquisador destaca Giovanni Francesco Fasciotti e Antonio Cicconi. “No caso de Fasciotti, por exemplo, ficou documentada sua bem-sucedida carreira na Itália, que conta até com atuações no famoso Teatro alla Scala, de Milão. Com isso, podemos afirmar que o Brasil conheceu pelo menos um castrato de nível realmente internacional, durante o período joanino”.

Pacheco diz que foi possível mostrar como essa escola influenciou os intérpretes brasileiros que já atuavam no Rio de Janeiro antes da chegada da corte, chegando a transformar mesmo a escrita vocal do mais importante compositor brasileiro do período, o Padre José Maurício Nunes Garcia. Segundo ele, essa influência se estendeu até o fim do período regencial brasileiro.

“O livro também tenta informar o intérprete de música antiga sobre como a música vocal era executada no Rio de Janeiro joanino e traz muitos exemplos de como era realizada a ornamentação vocal, que tipo de registro vocal era usado pelos cantores, quais os tipos vocais presentes no Rio de Janeiro, entre outras questões próprias da execução musical”, acrescentou.

  • Castrati e outros virtuoses: a prática vocal carioca sob a influência da corte de D. João 6º
    Autor: Alberto José Vieira Pacheco
    Lançamento: 2009
    Preço: R$ 37,50
    Páginas: 354
    Mais informações: www.annablume.com.br/


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