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28 de junho de 2007

ÓTIMO DIA PARA ATUALIZAR SEU MAPA ASTRAL




Posto hoje um outro texto do primeiro e, até o momento, único colunista desse blog, o Manuel. A redação é muito boa e o texto conduz suavemente o leitor do início ao fim, vale a pena conferir.

Aguardo os comentários


HORÓSCOPO DO DIA
Manuel Cunha Pinto



Percebi algo de estranho com minhas pernas. Olhei-as por debaixo da mesa. Estavam tremendo como se estivesse na Sibéria, mas fazia qualquer temperatura acima de 30 graus. Pus a mão direita no peito, o coração batia exageradamente rápido. Tenho certeza que se existisse corrida de corações, naquela hora o meu cravaria a pole position. Fiquei com medo de ter um infarto. Seria o primeiro piloto da história a morrer por causa de uma simples quebra de motor. Em sete anos de firma, é a primeira vez que me apaixono. E a quarta em que ela passa por mim só nesta manhã. Numa das ocasiões, me deixou um “Bom dia”. Nas outras, só um cheirinho de banho tomado. Qual seria o xampu? Percebi a gravidade da coisa quando o office-boy conseguiu me vender uma rifa de um ovo de Páscoa. Na cartela, ao invés de números havia uma infinidade de nomes femininos. Como garotas adolescentes em bailinhos, estavam à espera da escolha de algum rapaz. Cecília. “Vamos dançar?” “Perdão, senhor?” “Nada, nada. Ta aqui o seu dinheiro, garoto”. E eu nem mesmo gosto de chocolate.

Antigamente eu ocupava a minha atenção com outras coisas. Nada de interessante na maioria das vezes, mas podia ser. Certa manhã, lia um colunista da Folha de São Paulo discursar profundamente sobre o próprio fetiche com a estética dos livros. Ao mesmo tempo, o locutor da rádio anunciava o novo caso da Daniela Cicarelli. Parei um minuto e pensei: rapaz, isso que é paradoxo! Com freqüência também reparava no meu comportamento. Percebi que constantemente levava a Caras para o banheiro. Acho que inconscientemente é porque combina com a atividade.

A chegada de uma nova e linda colega agitou o ambiente de trabalho. E isso me incluía. O negócio é que aquilo tudo era muito estranho para mim. Não tinha família. Fazia séculos que não me relacionava com ninguém. Era como se a minha parte afetiva estivesse em coma há muito tempo. Já não tinha a menor idéia de quanto custava um botão de rosa. Refleti sobre o que havia feito de errado no meu último romance. Besteira. É como ler o horóscopo do dia anterior. Hora de olhar para frente. Mais precisamente para o departamento de vendas. Lá, Cecília tentava vender títulos de capitalização a alguém que nem imaginava o tanto que ela era bela. Do outro lado da linha, essa pessoa não via a graciosidade das suas sobrancelhas arqueadas quando não entendia alguma coisa. E eu não entendia como aquilo estava acontecendo comigo.

Resolvi fazer um movimento. Só não sabia qual. Sentia-me enferrujado. No fim do expediente, quando todos foram embora, fui pesquisar. Andei até a mesa de Cecília. Ao lado do computador, dei de cara com uma foto desanimadora. Encostada numa árvore, ela abraçava um homem mais velho, vestido com trajes militares. Eu não tinha chance alguma. Ela gostava de homens fardados. Estava fadado a ficar sem ela. Não a culpo. Quem possivelmente se interessaria por alguém que faz um trocadilho desses? Virei as costas e fui para casa.

No dia seguinte, havia um bilhete em cima da minha mesa. Letra de mão. “Estava indo embora quando vi você rondando a minha sala. Me escondi atrás da estante para ver o que aconteceria. Não é assim que se faz, Otávio. É só você me chamar para jantar que eu aceito. Ah, o homem na foto é meu pai. Ele é bravo, pode se preparar”. E eu sorri com a alegria de quem sabe que vai ter um dia espetacular.


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